segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ORIGAMI E A ARTE DA MEDITAÇÃO



Talvez o leitor se surpreenda com o título deste texto. Como é possível relacionar origami e meditação, se a imagem tradicional de quem medita é de alguém, sentado com as pernas cruzadas à frente, aquietado, as mãos apoiadas sobre os tornozelos, olhos fechados... enquanto o praticante de origami mexe ininterruptamente as dedos, olhos bem abertos, atento a cada passo do diagrama, se esforçando por decifrar as dobras e suas direções?
Esta idéia surgiu durante a minha prática de origami. Afinal, o que é meditar? Meditar é fundamentalmente esvaziar a mente. Mas esvaziar a mente de quê? Dos pensamentos que povoam nossas cabeças: as contas a pagar, as obrigações a cumprir, os problemas para solucionar... 
Ora, quando eu sento à mesa, cercada pelas folhas coloridas e os diagramas que me desafiam, a minha mente se esvazia completamente. O mundo “lá fora” se imobiliza. Decisões a tomar, obrigações a cumprir, tudo desaparece. Estou inteira, no aqui e agora, no ato de dobrar e dobrar e mais uma vez dobrar...Sim, por certo há um fazer que parece contrariar a imobilidade da meditação. Mas é um fazer que se assemelha ao ato de respirar, inspirar e expirar, ir e voltar dos dedos, apenas. 
Para quem, como eu, passa a maior parte de seu tempo pensando – lendo e escrevendo – o origami é uma forma divertida e prazerosa de meditar. Minha mente se esvazia do árduo trabalho de compreensão do texto, de ordenação das idéias, de articulação de pensamentos, de reflexão, enfim. No vazio das palavras, minha mente descansa. Isto é tão verdadeiro que quando, por este ou aquele motivo, permaneço presa às palavras, o trabalho com o origami não dá frutos, não consigo ver o que eu devo ver, como se, naquele momento, eu não pudesse meditar... 
O que me leva ao segundo ponto em que meditar e origami se encontram. Meditar, dizem, é focar, centrar a atenção em algo, basicamente o próprio ato de respirar. A mesma coisa exige o origami: centrar, direcionar nossa atenção para o diagrama. Tanto isso é verdade, que , um dia desses, me aconteceu uma experiência muito interessante. Eu estava fazendo um origami, concentrada na forma proposta em cada passo do diagrama, quando, em determinado momento, empaquei. Não conseguia ver o que devia ver. 
Atabalhoadamente, usei o mecanismo de “tentativa e erro”, sem resultado. Foi quando disse a mim mesma: aquieta-te e vê. Durante alguns minutos, fixei minha atenção no diagrama, sem tentar “compreender” , sem fazer nenhum gesto, nada, apenas concentrada em “ver” o que me aparecia. De repente, meus dedos executaram o passo preciso e a forma surgiu. Simplesmente eu tinha conseguido “focar” minha atenção! 
Por isso é que eu intuo que fazer origami é uma forma de meditar. Com um acréscimo, que me parece fundamental: uma dose extra de alegria, aquela alegria fresca que um dia sentimos, quando éramos crianças e simplesmente descobríamos o mundo. Porque fazer origami é nos surpreender – apesar de todo o esforço que ele nos exige, algumas vezes, pela complexidade dos modelos propostos pelos mestres – ao fazer surgir algo inteiramente novo, a partir da forma pura de um quadrado! 
Particularmente, sou fascinada pelo origami modular. O ato repetido de construir 6, 12, 24, 30, 60, 120, 270 módulos , todos iguais, e o ato posterior de ir construindo uma forma, paulatinamente, até que de repente eis que surge em nossas mãos, o quê?: um sólido ponteagudo, formado de triângulos, pentágonos, hexágonos, cheios ou vazados, de formas tão variadas e tão belas... Torno-me então aquela criança que se admirava com a novidade do aparecer das coisas, uma sensação que nós, adultos, por já termos vivido tanto, temos dificuldade de sentir – sim, há algo de novo no que se repete! 
Olhando o objeto entre minhas mãos, reflito – não posso fugir das palavras – de como há no origami um jogo entre formas: entre a forma primária – cada módulo – e a que se constrói na sua articulação, de tal maneira que o que aparece não é o resultado da mera junção das formas elementares mas algo novo, qualitativamente novo...E eu digo a mim mesma, feliz: Meu Deus, isso é pura dialética! E sorrio... para recomeçar outra vez e outra e mais outra... 
É provável que sejam diversas as motivações de cada praticante de origami. A minha, descobri agora, é meditar... 
Eridan Passos

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